quarta-feira, 16 de julho de 2008

Voltou a moda!

Nos tempos idos, quando as pessoas deixavam de ser úteis, isto é, quando já não podiam trabalhar, “levavam-nas à bouça", para não darem incómodos e despesas aos filhos, que, por amor foram chamados à vida, e que tantos sacrifícios custaram aos pais, até ficarem criados!
Cabia ao filho mais velho, a tarefa de "levar o pai à bouça”, cujo "objectivo principal" era, verem-se livres do “estorvo”!
Pegava numa manta velha, um naco de broa, e levava o pobre do velho (a) ao meio dum monte, e lá o deixava, até que as feras o matassem e devorassem!
-Horrível, são capazes de dizer muitos, dos que hoje fazem coisa bem pior! Eu explico!
Conta-se que num desses casos, quando, já no sítio escolhido, o filho dava as últimas recomendações ao pai: “-pai, tem aqui broa para comer e uma manta para se agasalhar”! O pai diz para o filho: “-não se deve desperdiçar aquilo que tanto custou a ganhar! Meia manta, para mim chega! Corta esta a meio, e leva a outra, que dará para ti, quando o teu filho cá te vier trazer, dentro em breve”!
Aquelas palavras do pai, puseram o filho a pensar! Nunca tinha reflectido nisso! Já não sou novo, e, terei a mesma sorte do meu pai!?
Pensa melhor, e diz para o pai: “-o pai já não vai ficar aqui! Volta comigo para casa! Haverá sempre lugar para mais um, e uma malga de caldo para comer"! E lá volta com o pai para casa, acabando assim com a moda de “levar o pai a bouça"!

Considerada de “horrível” a moda de levar o “pai à bouça”, ela voltou, e de que maneira é posta em prática por “boa gente”, e até da alta sociedade!
Hoje, parece tudo normal, como normal seria naquele tempo “levar o pai à bouça”! Mas, parecendo, não é normal, sendo até profundamente injusto e cruel em muitos casos, quando o “objectivo principal”, é exactamente o mesmo de antigamente!
Quantos e quantos, passaram uma vida de trabalho e privações, preparando uma velhice mais calma e tranquila, e,em vez disso, sofrem agora a desilusão e a frustração do abandono?
Visito semanalmente, e conheço a realidade dos cerca de quinze lares de terceira idade que existem em Braga e não só, por isso, sei bem daquilo que falo!
Não está em causa a forma como as pessoas são tratadas nos lares! Há lares excelentes, embora nem todos, no que diz respeito a alimentação, limpeza, cuidados e tratamento em geral! Não são muitas as queixas dos idosos, nesse capítulo! O grande drama para eles, consiste no sentirem que foram "despachados" do seu cantinho, porque se tornaram num estorvo!
Custa-me imenso ouvi-los e vê-los chorar, a queixarem-se desse abandono a que são sujeitos pelas famílias!
Ainda no passado Sábado desabafava comigo uma vizinha de Sequeira, que tem dois filhos a morar na casa da mãe: “-estou p’ráqui abandonada, e a pagar 90 contos por mês! tanto gostava dos meus netinhos e quase nunca os vejo; o meu quartinho, muito gostava de lá estar! quem me dera lá; antes queria passar fome em casa, do que viver aqui no maior luxo do mundo! Enfim!
Lá recebem uma visita “de médico” de vez em quando dum ou outro familiar, ou pessoa amiga, que passam aqueles minutos a olhar vezes sem conta para o relógio e a dizer que são horas de ir embora, que tem umas voltas para dar e não tem mais tempo para estar ali! É "horrível"!
Que seria melhor para o pobre velho (a)? Haverá coisa pior que viver em angústia permanente longas horas, dias, meses e até anos!?
Para ver se calam a consciência, ouvimos dizer às vezes: só custa mais nos primeiros dias, depois não custa nada!(não custa a quem o diz!) Em casa não há condições, não temos quem olhe por ele (a), é difícil dar-lhe as voltas, aqui até estão bem! Pois estão, não têm outro remédio! Se tivessem, quantos não sairiam de lá!?
Razões, todos podem arranjar as que bem quiserem, umas mais justas, outras menos! Mas,em muitos casos, se não faltasse o AMOR e não existisse o maldito comodismo egoísta, garanto que mais de metade dos lares deixariam de ser necessários!
A solução para muitos, poderia passar pela criação de centros de dia em cada freguesia, para não os desenraizar da sua terra! Seria um mal menor!
Há que pensar nisso. Doutro modo, convém ir preparando a outra metade da manta, porque dentro em breve, será precisa para te "levar a ti à bouça"!
Importa referir que muitos e muitos idosos, ainda têm a sorte de terminar os seus dias junto dos familiares. Felizmente para eles, e também para as comunidades onde se inserem, porque um idoso, é sempre uma referencia para as pessoas mais novas!
Tenhamos em apreço que as suas famílias, terão necessariamente que ser generosas e compreensivas, quando se trata de pessoas com limitações, o que as tornam por vezes rabugentas e incomodativas, mas, a satisfação de ter a presença de quem se ama e a consciência do dever cumprido, compensarão largamente o incomodo e o trabalho que possam dar. E, como muito bem ouvimos dizer, DEUS NÃO DORME! Quem bem fizer, bem receberá!

Manuel Rodrigues, Julho de 2008

1 comentário:

Anónimo disse...

Olá "Tio Nel"!

Fantástica visão de uma realidade cada vez mais presente...

Provavelmente as pessoas têm neste momento uma visão distorcida daquilo que deve realmente ser a fonte da felicidade...

Ficam mais felizes por ganharem 10€ no euro-milhões do que por passarem um momento de qualidade com um familiar querido...

A vida é demasiado efémera para ser vivida da forma egoísta que cada vez mais acontece...

Todos nós percebemos como o tempo passa rápido no véspera de cada aniversário...

Abraço