terça-feira, 9 de junho de 2009

Alcunhas e flashes que não se devem deixar esquecer

Passam-se os anos, tudo vai mudando e quase sem se dar pela conta!

Na década de 50, as casas nesta freguesia, seriam menos de metade das que temos hoje! A população não aumentou! Nesses tempos, as famílias eram mais numerosas. Qualquer casal tinha vários filhos! Agora os tempos são outros, diz-se. O futuro julgará os comportamentos e dará a sentença.

As casas mais “ricas” da freguesia eram: a casa da Serra, do Souto, da Pedreira, de Fijô e da Figueira. As outras, fora uma ou outra tidas como remediadas, eram na generalidade casas de pobres, dos que não possuíam terras.

Nas lavouras trabalhavam os jornaleiros que, labutando de sol a sol, não ganhavam o mínimo necessário para sustentar os filhos, mas as terras também não davam para muito mais.

Os artistas, na construção civil ou em pequenas industrias, defendiam-se melhor um pouco, mas nada que desse para larguezas!

Era neste ambiente que a sociedade se movia, notando-se que havia mais solidariedade entre as classes pobres.

Os ricos por regra, não conviviam com os pobres. Era uma classe dominadora e por isso, viviam à parte. Os pobres, esses, pelo menos ao Domingo, único dia de descanso, conviviam mais e, nos seus encontros, muitas vezes, serviam-se das graçolas, inspiradas numa pinguita mais bem bebida na tasca, que na maior parte dos casos era mal acompanhada de comida, bastando pouco para virar o barco.

As alcunhas atribuídas às pessoas, só por si, já tinham graça!

Vejamos: Os chichas, fanados, mei-calça, carapuça, escramué, cagacães, bacorinhos, estrelados, moleiros, saréquinhas, carrasquita, gurito, côta, sanuca, cabeleiras, aquilho, tatarugo, pirolas, téctau, carrêlo, melrinho, sacholinha, teirinha, furados, bilhacos, caga na saquinha, cambitos, coelhinhos, o calho, os gatos, catrinas, baqueiro, pescocinhos, pinseleiros, teixeiro, borrachinha, botas, chota, vitra, faqueiro, mána, violas, garulas, ferrolhos, moufoas, bastuças, cinquentas, chaouliça, noras, vergalhadas, lão-branca, formigas, marcoas, pardelho, tanjardo, chiquita, cobanca, carrôcho, noutelha, cara da semana, cega melros, barraquinha, quinine, mijeca, patêlo, cabaço, mornaca, machinha, camôchas, fanfana, senisga e outros nomes mais sonantes como caramona, rei e os rainhas, etc.

Estas alcunhas identificavam de imediato as pessoas por isso conhecidas! Quase ninguém hoje se identifica desse modo.

Tornando-se impossível caracterizar os titulares e o motivo da sua alcunha, realçarei apenas episódios de alguns dos que mais gozo pode dar:

- Mána: Numa reunião de chefes de família convocada pelo pároco para determinar a quota com que cada um contribuiria para a construção de salão paroquial, o mána, ou Manuel chicha, que era um pobre trolha, especialista em tirar pingas dos telhados de telha nacional, em plena reunião de tantos homens, vira-se para o mais rico da freguesia e diz-lhe, (a brincar, claro): Eu, sou mais rico do que o senhor Antoninho! O Toninho, com o seu ar de “rico”, olha-o de canto, enquanto ele prossegue. Quem é mais rico: quem compra, ou quem vende? Todos olham expectantes! E continua: o senhor vende e eu compro. Quem compra é porque tem dinheiro, e quem vende é porque precisa! Foi uma risada geral, que se fosse hoje, era digna de uma grande salva de palmas.

Com o "golinho" tinha saídas espectaculares! Dizia ele: em minha casa é só garafas! Fazia uma pausa e continuava: vazias!

- O Escramué: Era o homem dos sete ofícios. Fazia de tudo: ferreiro, funileiro, mineiro, jornaleiro da lavoura onde sabia podar, sulfatar, sabia fazer de tudo! Era um habilidoso, polivalente!

Um dia, quando trabalhava no ferreiro, veio lá um cliente já de certa idade, a quem o escramué mostra uma chave e diz: “Ó senhor José Maria: olhe que chave bonita!” A chave estava em brasa, acabada de sair da forja, que ele coloca na mão do cliente! Este, sentindo o queimar da chave, sacode a mão e começa a ralhar com o patrão, a quem devia uma conta, e diz: O teu empregado é um macaco! Deixou-me a chave escrita nos dedos! Sabes quanto te devo? Não te pago! E se é verdade haver inferno, vai se lá tocar muito manguito! O escramué, macaco como era, partia-se a rir.

-O chicha era trolha, e tinha ditos muito engraçados!

Um dia, quando arranjava uma casa, diz para o rapaz da massa: anda depressa moço, que, quando eu morrer vão dizer: ali vai o “ensina burros”!

-O teixeiro, tinha uma industria pequena de móveis: fazia camas, cadeiras, armários, etc.. O faqueiro era seu empregado, mas muito brincalhão.

Um dia, apanhou uma cobra, pegou-a com a mão junto à cabeça e, fazia passar o bicho junto da cara do patrão. Este, cheio de medo, faz um severo aviso ao empregado: Azevedo, retira para lá a cobra! Olha que um homem perdido, faz perder outro, ouviste?! Por sua vez o Azevedo ria-se como um perdido, com aquela brincadeira!

-O vitra: Num belo domingo ao cair da noite, saíam da tasca a caminho de casa o vitra e o violas.

A GNR fazia a ronda e, quando encontravam alguém com carga a mais, logo o prendiam, e só o descarregavam no posto.

Aconteceu que o vitra, avista um carro à distância e encaminha-se para lá.

O violas, talvez um pouco mais lúcido diz-lhe: vitra não vás. Diz o vitra: vou, é o filho do meu patrão. Chega ao pé do jeep e logo a GNR o engaiola!

O violas, cá de longe diz: Eu não te dizia vitra, que via polainas envernizadas?! Quiseste ser teimoso, agora lá vai mestre vitra na barraquinha de lona.

- O baqueiro, era o matador de porcos cá da zona.

Um dia vai ao barbeiro, a meio da semana para lhe fazer a barba, mas o barbeiro tinha saído. Pediu então ao filho do barbeiro para ele lhe fazer a barba, mas este não tinha grande jeito, nem sabia afiar a navalha, de tal forma que se tornou difícil a tarefa para os dois. Por certo que ambos estavam à rasca. O cliente a determinada altura pediu uma pausa e contou uma história ao que estava a fazer de barbeiro:

“Um dia um sujeito foi ao barbeiro fazer a barba, mas este não sabia amolar a navalha, o que causava grande sofrimento ao cliente! Ouviu então um cão lá fora a ganir muito e, com ar aflito pergunta ao barbeiro: também estarão a fazer a barba aquele cão?”

O barbeiro improvisado, percebeu a história e logo que despachou o cliente lhe garantiu que nunca mais voltaria a pôr-lhe a navalha na cara.

Manuel Rodrigues