segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Usos e costumes


Tudo passa e nada passa, quase sem nos apercebermos.

O dia de hoje é diferente do dia de ontem e o dia de amanhã já não será como hoje! As "pequenas" diferenças que se vão registando no dia-a-dia, só são notadas com clareza à distância no tempo.

Quem vive desde há cinquenta anos, nota que já quase nada é como então!

Vejamos a evolução:

Nas aldeias, dominavam os senhores poderosos, os chamados ricos, os donos das grandes quintas, moinhos, lagares, etc.. Tudo passava por eles: Juntas de freguesia, regedores e cabos da ordem pública, membros das comissões fabriqueiras, etc. Eram os detentores de todas as influências locais.

O zé-povinho, nada mais podia fazer que não fosse curvar-se diante deles, estar ao seu serviço sem reservas e assim ir sobrevivendo. Não tinha alternativas! Ocupava-se nos trabalhos mais humildes: Caseiros, feitores das terras ou jornaleiros, trabalhando de sol a sol para ganhar a côdea!

Os artistas sujeitavam-se a trabalhar naquilo que aparecia: pedreiros, trolhas, carpinteiros, mineiros, e outros. Tudo eram trabalhos duros, porque feitos à mão, pois não havia máquinas! Pá e pica, sacholas, alviões, serras, tudo manejado pela força do braço.

Havia ainda os pequenos industriais: marceneiros, alfaiates, ferreiros, cesteiros, etc. Muito poucas eram as indústrias que tinham empregados: Fábricas serração, padarias, e pouco mais, lá tinham um ou outro empregado. Os chamados mestres de obras: pedreiros e carpinteiros que tratavam da construção e reparação de casas e outras construções, esses já empregavam mais gente, mas todos os ofícios pesados e muito mal remunerados.

As famílias, normalmente numerosas, estavam longe de ter o necessário para viver dignamente! Passava-se muita necessidade!

Os alimentos compravam-se nas mercearias, quase sempre a crédito e à míngua: meio quartilho de azeite; meio quilo de broa para ser repartido por várias pessoas à refeição! Até as sardinhas que se compravam a cinquenta à coroa, uma só sardinha era racionada para duas pessoas, meia para cada, que depois de comida se ficava a lamber os dedos! E, se não faltasse uma tigela de caldo ainda que mal feito, já não era muito mau!

O merceeiro tinha um livro onde anotava tudo o que vendia. O cliente, usava um pequeno caderno para apontar as compras que ia fazendo, tentando controlar as despesas, sempre difíceis de liquidar com o ordenado que se recebia. A conta, essa, ia crescendo no livro, porque os ganhos não davam, por mais que se poupasse.

A partir dos cinco anos já qualquer rapaz ou rapariga trabalhava, em casa ou a servir, olhar pelo gado ou criada doméstica, nem que fosse só pela alimentação e uns trapitos! Numa ou noutra casa que pagasse vinte escuditos por mês, já era muito bom!

Nos anos sessenta tudo se alterou.

O Governo de então, presidido pelo professor Marcelo Caetano, deu facilidades a quem quisesse sair para o estrangeiro, o que resultou rapidamente num êxodo autentico, especialmente para França e Alemanha!

Milhares de homens se aventuraram, saindo à sorte por esse mundo fora. Muitos, a salto, atravessando fronteiras em zonas menos vigiadas, eram levados por "passadores", alguns sem escrúpulos, exigiam em troco grandes verbas e por vezes os deixavam abandonados, perdidos nas montanhas, entregues ao Deus dará, mas eles, com coragem, lá conseguiam chegar "á terra prometida" em busca de melhores dias!

Quantos sacrifícios passaram nessa aventura até conseguir trabalho, com a legalização e adaptação à nova língua e novos costumes! Quantos se sujeitaram a morar em bairros de lata (Bidon-Ville - França), enquanto melhores condições não aparecessem!


Nessa altura as Províncias Ultramarinas lutavam pela sua independência.

Os nossos jovens eram obrigados a ir para a tropa. A maior parte, eram mobilizados para o ultramar, para lutar e defender aquilo que era nosso, assim se dizia!

Muitos por lá deram a vida; milhares os que vieram mutilados e tantos os que regressaram com traumas terríveis para o resto da sua vida!

Só quem fosse limitado escapava à tropa e, muito poucos os que tinham a sorte de cumprir no continente o serviço militar!

Com tanta gente a sair do País, os que por cá ficavam, começaram a exigir melhores salários, de modo especial os mais qualificados, que se tornavam insuficientes para dar resposta à oferta, cada vez maior, de mão-de-obra. Assim, tudo se alterou em pouco tempo!

Os emigrantes começaram a mandar dinheiro e por cá tudo ia melhorando.

A construção de casa própria era a maior aspiração de qualquer casal.

Os Bancos, com os cofres cheios de dinheiro, disponibilizavam mais empréstimos.

Aos emigrantes era emprestado dinheiro para construir casa própria, com juros mais baratos do que os juros que recebiam nos seus depósitos a prazo. Tudo isto originou uma forte dinamização na construção civil, na industria e no comércio. Foram criadas novas industrias e serviços. O comércio conheceu um grande desenvolvimento e, todo este processo, veio permitir melhores salários com a melhoria de vida para todos, de modo especial para a classe trabalhadora.

O acesso ao ensino foi facilitado, permitindo que os mais "pobres" se sentassem nos bancos das escolas ao lado dos "ricos", fazendo com que as diferenças até então existentes se desvanecessem, de tal modo que, a realidade vivida hoje, nada tem a ver com a de então.

Nos anos sessenta, para ouvir rádio, só nas casas de comércio. As tascas e os poucos cafés existentes enchiam-se, de modo especial aos Domingos da parte de tarde, para ouvir os relatos do futebol. Hoje não há casa que não tenha rádios em qualquer canto da casa.

Apareceu a televisão, toda a gente corria para ir ver, porque era quase um milagre ver e ouvir dentro duma caixa, as pessoas a falar lá em Lisboa, Televisão ainda a preto e branco. Hoje, TV a cores, em todas as casas há televisores em qualquer aposento da casa.

Depois do telefone, apareceu o telemóvel que, embora no início rudimentar, não deixou de revolucionar o mundo da comunicação. Com todo o aperfeiçoamento que se vai verificando, velhos e novos, ninguém dispensa a caixinha para onde quer que vá, e ainda bem, porque põe as pessoas informadas em tempo real!

Lembro-me de existirem nesta terra, nos anos cinquenta, apenas três automóveis!

Nas estradas principais, passava um carro de meia em meia hora! Presentemente, quase não há espaço para mais automóveis! É rara a casa que não tenha um ou mais carros! Tudo por aí está inundado de chapa!

O progresso atingiu o inimaginável.

É caso para perguntar:

Que nos reserva ainda o futuro?!


Manuel Rodrigues, Setembro de 2008