terça-feira, 20 de outubro de 2009

Jerónimo Pintor

Jerónimo Fernandes da Silva, nasceu na freguesia de São Julião de Paços-Braga, no ano de 1935 e faleceu em 2003. Está sepultado cá, no cemitério da sua terra natal, em campa da família, muito simples e discreta, conforme seu pedido.
Não é necessário tecer elogios ao artista que se notabilizou em áreas diversas como a poesia, gravura, o desenho e, principalmente a pintura, porque a obra que Jerónimo nos deixou, é suficientemente bela e grandiosa para nos falar do filho desta terra que tanto nos orgulha!
Por aqui passou os primeiros tempos da sua vida, na casa da família - as Marcoas - no lugar de Belide, junto à estrada nacional.
O Jerónimo era um homem fisicamente a cima da média: Alto e forte. Tinha uma bigodaça que bem combinava com o cachimbo usado quase em permanência, que o caracterizavam e lhe davam um inconfundível ar de intelectual.
Penso que o Jerónimo não frequentou nenhum curso de pintura, mas dizia-se que a Escola de Belas-Artes do Porto, reconhecendo a sua classe lhe atribuiu um diploma!
Fez várias exposições: Barcelos, Braga, Lisboa, Póvoa de Varzim, Valença e no Brasil, tendo sido o primeiro pintor português e expor em Brasília.
Era uma homem com quem se gostava de conversar. A par dumas amenas cavaqueiras, bem regadas com uns copitos, lá vinham as histórias, pantominices e a narração das partidas que ele também sabia pregar.
O relato que se segue é revelador disso mesmo, passado em Barcelos e que me foi contado pelo Senhor David Miranda, nosso conterrâneo já falecido, homem muito conhecido naquela cidade, onde durante muitos anos exerceu a actividade de ourives.
Este episódio, mostra bem a arte, e a personalidade do pintor!
Jerónimo ,ainda muito novo, foi viver para Barcelos. Ali começou a revelar os seus talentos, que em pouco tempo o tornaram muito conhecido, estimado e admirado, de modo especial pela elite daquela urbe.
Vários amigos lhe pediam para desenhar ou pintar o seu retrato, preferencialmente a óleo sobre tela.
A ninguém dizia que não, mas não se comprometia com datas, nem com o preço que cobraria pelo seu trabalho! Aconteceria quando estivesse inspirado! O preço, esse, dependia do lado para que estivesse virado. Para uns, era uma graça que fazia, a outros, era capaz de exigir um dinheirão!
Vejamos o que aconteceu com um reputado médico barcelense, seu fã e amigo.
Jerónimo, diz-lhe o médico: - Quero que me faças um retrato para colocar no meu consultório. Ok. Responde o pintor. Quando calhar, logo lho entregarei.
Passaram-se meses e meses até que chegou o dia. Mestre Jerónimo, lá vai ao consultório do doutor para entregar a obra encomendada. O médico vê o quadro, analisa-o pormenorizadamente, e, de seguida pergunta: - e o preço? O pintor, certamente com as finanças nas lonas, diz: são dez mil escudos! (estávamos no início dos anos 60, nessa altura era muita nota). O médico ficou desapontado com o custo e diz-lhe: É um exagero Jerónimo! O quadro não vale esse dinheiro e, pior que isso, está cheio de defeitos. Pouco ou nada se parece comigo, pelo que ninguém me vai reconhecer neste retrato!
A questão, prendia-se mais com a nota, do que com a qualidade da obra!
Reage o artista.- Doutor, o quadro volta comigo, uma vez que afirma não se parecer consigo e ninguém o reconhecer neste retrato! Tentarei fazer outro que melhor o identifique. E lá volta o pintor com o quadro para casa.
O então presidente da câmara de Barcelos, era um dos seus grandes amigos, ao ponto de, muitas vezes lhe matar a fome, dado que o pintor andava quase sempre liso.
No regresso, com o quadro debaixo do braço passa pela casa do presidente e muito irritado, conta-lhe o sucedido!
Naquele estado de nervos, pede-lhe que o autorize a colocar em exposição, a obra que lhe foi afirmado não retratar o conhecidíssimo médico.
Depois de concedida a autorização, mestre Jerónimo vai para o seu atelier e substitui na pintura as orelhas do indivíduo, por umas grandes orelhas de burro! Por baixo, escreve em letras garrafais: QUEM SERÁ ESTE……ALGUÉM CONHECE ESTE ANIMAL? No dia seguinte pela manhã, lá vai colocar o lindo trabalho em exposição no edifício do turismo, bem à vista de toda a gente!
Todos quantos por ali passavam, ao verem o retrato, ficavam espantados e exclamavam! Olha que vergonha! O Doutor…… com umas orelhas de burro!
Os amigos do médico, ao verem tal coisa, logo lhe telefonaram: Doutor, a sua fotografia está exposta no turismo, “enfeitada” com umas grandes orelhas de burro! Todos galhofam de si! Mande retirar aquilo dali o mais rápido possível, porque é uma vergonha e humilhação para si!
O Médico logo contacta o presidente da câmara no sentido de mandar retirar o quadro, ao que este lhe responde: Doutor, o pintor contou-me que o senhor lhe dissera, que o retrato nada se parece com a sua pessoa. Assim sendo, não se trata do Doutor, mas de outra pessoa qualquer! Fale com o Jerónimo e entendam-se. Só com a ordem dele o quadro poderá sair dali!
O médico procura o Jerónimo e pede-lhe para retirar o quadro. Jerónimo responde: Aquele retrato não é o senhor, pelo menos foi isso que ontem me disse quando fui ter consigo, no seu consultório! Não foi verdade que me disse o retrato nada se parecer consigo? As pessoas é que devem estar a ver mal! Por isso sossegue, porque nada tem a ver com V. Exª.!
Perante a resistência do artista, o médico não teve outro recurso se não desembolsar os dez mil escudos e dá-los ao pintor, pagando assim a "obra prima, que de seguida lhe foi entregue.
Várias vezes tive o prazer de o receber em minha casa. A par de conversas animadas e piadas sempre cheias de bom humor, entornavam-se umas copadas de bom tinto, que tornavam ainda mais viva a já boa disposição. De facto, nesses encontros, passavam-se momentos inesquecíveis!
Um dia perguntei-lhe se foi verdade ter acontecido o episódio supra. Ele, soltando uma grande gargalhada responde: Tenho outras histórias interessantes para te contar! Um dia destes falaremos delas.
Infelizmente, passado pouco tempo, Jerónimo deixou de estar entre nós!
Faleceu, em 28 de Dezembro de 2003.
Que Deus o tenha junto de si.

Manuel Rodrigues

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Como era São Julião de Paços antigamente?

Certamente que a área, os limites geográficos e os lugares de São Julião de Paços, são os mesmos desde há muitas décadas, mas a vida que temos hoje, nada tem a ver com a miséria que se viveu, até à década de sessenta do século passado.
Normalmente as famílias eram numerosas: oito, dez, doze filhos… Conheci uma que criou 23!
Eram muito fracos os recursos!
A subsistência da família assentava, essencialmente, na pequena féria que o pai trazia no fim da semana. A mãe, passava a vida a tratar da casa e cuidar dos filhos, no resto do tempo lá ia criando umas galinhas, uns coelhos e outros animais para consumo doméstico.
Só em algumas casas havia água própria, proveniente de poços donde era tirada ao balde, ou de minas que de terras mais altas, era canalizada até ao tanque junto da casa. O abastecimento das outras casas era feito através de fontes públicas onde se ia buscar, em cântaros de barro e deles, com um caneco se tirava a água para fazer a comida e outros fins domésticos.
Em São Julião as fontes que serviam mais gente eram: a fonte de Vila Pouca, que abastecia também o populoso lugar do Monte do Porto; a fonte do Sobreiro, no lugar do Outeiro; a fonte de Forcadêlo que abastecia também o lugar da igreja; o Mirão na Pedreira; a fonte de Belide, a de Fijô; a da Serra; a mina da tia Maria Amélia, no lugar da Bouça e mais uma ou outra de que posso não me recordar.
Como bem se pode compreender, tornava-se muito difícil e trabalhoso manter as condições mínimas para uma vida saudável, mas, assim se foi vivendo durante muitos anos!
As casas, inconfortáveis e normalmente de dimensões reduzidas , tinham anexado um quintal onde se cultivavam umas novidades: batatas, cebolas, hortaliças e tudo o mais que contribuísse para o alimento da família, mas tudo se tornava pouco para o sustento de tanta gente!
Os filhos, à medida que iam crescendo, ajudavam a tratar dos mais novos, e dos montes traziam lenha para fazer a fogueira na lareira aquecendo os potes onde se cozinhava. Assim iam vivendo e crescendo até à idade de seguir o seu destino: servir um amo, aprender um ofício: aprendiz de pedreiro, trolha, carpinteiro ou em oficinas, onde nada ganhavam no período de aprendizagem.
Todas estas fracas condições nada contribuíam para um bom desenvolvimento físico e integral da pessoa! É muito vulgar ouvir os mais idosos dizerem que uma só sardinha dava para duas ou três pessoas! Hoje ninguém acredita nisso, mas era mesmo assim! Um caldo feito de couves, com uns feijões, um punhado de farinha, meia sardinha, um naco de broa, já não era muito mau! Ou então, umas batatas cozidas com couves (e o bacalhau na venda como se dizia), assim era o dia a dia na maioria das casas da nossa aldeia!
A má nutrição, condições higiénicas quase inexistentes, ausência de vacinação contra doenças e a fraca assistência médica, etc., tudo contribuía para um elevado nível de mortalidade infantil, e doenças nos maiores! Para quem não sabe, até nos cemitérios existia um sector só para enterrar os “anjinhos”, as crianças e tantas eram, as que morriam nos primeiros tempos de vida! Poucos casais escapavam de enterrar uma ou mais crianças!
Para além da fome que se passava, havia ainda quem se aventurasse a construir uma “barraquita” para alojar a família, o maior anseio de todos os casais, facto que, para muitos, se tornava no princípio do fim!
Recordo-me de alguns homens desta terra, que, aspirando concretizar tal sonho, trabalhavam noite e dia! Com tanto trabalho, duro e continuado, muito mal alimentados, contraíram doenças, (a tuberculose era a mais frequente), que os levaram à morte precoce.
Sem qualquer apoio social, nem sequer o abono de família! Míseros rendimentos em famílias numerosas, como era possível sobreviver?
As principais preocupações do Estado passavam por manter a ordem pública e pouco mais! Pouco se investia no ensino! Nos meios rurais só o primário para alguns e nas cidades, para além deste, o secundário e superior só para os “grandes”; investimento público mal se via; rigoroso controlo político; fiscalização apertada às actividades económicas, etc., assim era o país nesses tempos!
Em cada freguesia o governo tinha um seu representante - o regedor – autoridade criada em 1836. Este era auxiliado por dois cabos, sempre atentos à ordem pública, agindo nos conflitos locais e até nos familiares. Quando chamados a intervir, usavam a sua autoridade e, nos casos mais difíceis, chamavam a GNR para que a normalidade fosse reposta.
Os três últimos regedores de São Julião, depois dos anos trinta, foram: O Senhor Francisco Gomes, da casa da Figueira, sucedeu-lhe o Senhor Constantino Gomes, da Pedreira e por último o Senhor Alípio Pereira, do Souto. Os últimos cabos de ordem que conheci, foram: o Senhor Domingos Malheiro e o Senhor Daniel Músico.
Com a revolução do 25 de Abril o regedor deixou de existir, o que em meu entender foi uma má medida porque, era sempre uma autoridade próxima do povo, a quem se podia recorrer em casos de conflito.
Diz-se que actualmente essa missão passou a ser da competência do Presidente da Junta, mas creio que a maior parte dos autarcas das freguesias não sabem sequer o que era um regedor, muito menos, a acção que desempenhavam na sociedade.
Bom era que o desaparecimento dessa autoridade não se fizesse sentir mas, nfelizmente, com o novo regime que se queria ordeiro e democrático, as liberdades dadas a todos, permite que alguns se sirvam delas para atentar contra as pessoas e bens alheios, pelo que acho um absurdo, dizer-se que vivemos num país livre!
Que liberdade pode haver, se todos os dias somos confrontados com assassinatos, atentados, assaltos, roubos, corrupção etc., e os criminosos por aí a passear impunes e calmamente pelas ruas sem serem chamados à ordem?!
A insegurança é de tal ordem, que nos deixa a todos seriamente preocupados! Isto, era impensável acontecer noutros tempos!
Sim à liberdade e ao respeito mutuo, o que só será possível se houver governantes sérios, capazes, que cumpram e façam respeitar os direitos e a liberdade de todos.

Manuel Rodrigues