segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Como era São Julião de Paços antigamente?

Certamente que a área, os limites geográficos e os lugares de São Julião de Paços, são os mesmos desde há muitas décadas, mas a vida que temos hoje, nada tem a ver com a miséria que se viveu, até à década de sessenta do século passado.
Normalmente as famílias eram numerosas: oito, dez, doze filhos… Conheci uma que criou 23!
Eram muito fracos os recursos!
A subsistência da família assentava, essencialmente, na pequena féria que o pai trazia no fim da semana. A mãe, passava a vida a tratar da casa e cuidar dos filhos, no resto do tempo lá ia criando umas galinhas, uns coelhos e outros animais para consumo doméstico.
Só em algumas casas havia água própria, proveniente de poços donde era tirada ao balde, ou de minas que de terras mais altas, era canalizada até ao tanque junto da casa. O abastecimento das outras casas era feito através de fontes públicas onde se ia buscar, em cântaros de barro e deles, com um caneco se tirava a água para fazer a comida e outros fins domésticos.
Em São Julião as fontes que serviam mais gente eram: a fonte de Vila Pouca, que abastecia também o populoso lugar do Monte do Porto; a fonte do Sobreiro, no lugar do Outeiro; a fonte de Forcadêlo que abastecia também o lugar da igreja; o Mirão na Pedreira; a fonte de Belide, a de Fijô; a da Serra; a mina da tia Maria Amélia, no lugar da Bouça e mais uma ou outra de que posso não me recordar.
Como bem se pode compreender, tornava-se muito difícil e trabalhoso manter as condições mínimas para uma vida saudável, mas, assim se foi vivendo durante muitos anos!
As casas, inconfortáveis e normalmente de dimensões reduzidas , tinham anexado um quintal onde se cultivavam umas novidades: batatas, cebolas, hortaliças e tudo o mais que contribuísse para o alimento da família, mas tudo se tornava pouco para o sustento de tanta gente!
Os filhos, à medida que iam crescendo, ajudavam a tratar dos mais novos, e dos montes traziam lenha para fazer a fogueira na lareira aquecendo os potes onde se cozinhava. Assim iam vivendo e crescendo até à idade de seguir o seu destino: servir um amo, aprender um ofício: aprendiz de pedreiro, trolha, carpinteiro ou em oficinas, onde nada ganhavam no período de aprendizagem.
Todas estas fracas condições nada contribuíam para um bom desenvolvimento físico e integral da pessoa! É muito vulgar ouvir os mais idosos dizerem que uma só sardinha dava para duas ou três pessoas! Hoje ninguém acredita nisso, mas era mesmo assim! Um caldo feito de couves, com uns feijões, um punhado de farinha, meia sardinha, um naco de broa, já não era muito mau! Ou então, umas batatas cozidas com couves (e o bacalhau na venda como se dizia), assim era o dia a dia na maioria das casas da nossa aldeia!
A má nutrição, condições higiénicas quase inexistentes, ausência de vacinação contra doenças e a fraca assistência médica, etc., tudo contribuía para um elevado nível de mortalidade infantil, e doenças nos maiores! Para quem não sabe, até nos cemitérios existia um sector só para enterrar os “anjinhos”, as crianças e tantas eram, as que morriam nos primeiros tempos de vida! Poucos casais escapavam de enterrar uma ou mais crianças!
Para além da fome que se passava, havia ainda quem se aventurasse a construir uma “barraquita” para alojar a família, o maior anseio de todos os casais, facto que, para muitos, se tornava no princípio do fim!
Recordo-me de alguns homens desta terra, que, aspirando concretizar tal sonho, trabalhavam noite e dia! Com tanto trabalho, duro e continuado, muito mal alimentados, contraíram doenças, (a tuberculose era a mais frequente), que os levaram à morte precoce.
Sem qualquer apoio social, nem sequer o abono de família! Míseros rendimentos em famílias numerosas, como era possível sobreviver?
As principais preocupações do Estado passavam por manter a ordem pública e pouco mais! Pouco se investia no ensino! Nos meios rurais só o primário para alguns e nas cidades, para além deste, o secundário e superior só para os “grandes”; investimento público mal se via; rigoroso controlo político; fiscalização apertada às actividades económicas, etc., assim era o país nesses tempos!
Em cada freguesia o governo tinha um seu representante - o regedor – autoridade criada em 1836. Este era auxiliado por dois cabos, sempre atentos à ordem pública, agindo nos conflitos locais e até nos familiares. Quando chamados a intervir, usavam a sua autoridade e, nos casos mais difíceis, chamavam a GNR para que a normalidade fosse reposta.
Os três últimos regedores de São Julião, depois dos anos trinta, foram: O Senhor Francisco Gomes, da casa da Figueira, sucedeu-lhe o Senhor Constantino Gomes, da Pedreira e por último o Senhor Alípio Pereira, do Souto. Os últimos cabos de ordem que conheci, foram: o Senhor Domingos Malheiro e o Senhor Daniel Músico.
Com a revolução do 25 de Abril o regedor deixou de existir, o que em meu entender foi uma má medida porque, era sempre uma autoridade próxima do povo, a quem se podia recorrer em casos de conflito.
Diz-se que actualmente essa missão passou a ser da competência do Presidente da Junta, mas creio que a maior parte dos autarcas das freguesias não sabem sequer o que era um regedor, muito menos, a acção que desempenhavam na sociedade.
Bom era que o desaparecimento dessa autoridade não se fizesse sentir mas, nfelizmente, com o novo regime que se queria ordeiro e democrático, as liberdades dadas a todos, permite que alguns se sirvam delas para atentar contra as pessoas e bens alheios, pelo que acho um absurdo, dizer-se que vivemos num país livre!
Que liberdade pode haver, se todos os dias somos confrontados com assassinatos, atentados, assaltos, roubos, corrupção etc., e os criminosos por aí a passear impunes e calmamente pelas ruas sem serem chamados à ordem?!
A insegurança é de tal ordem, que nos deixa a todos seriamente preocupados! Isto, era impensável acontecer noutros tempos!
Sim à liberdade e ao respeito mutuo, o que só será possível se houver governantes sérios, capazes, que cumpram e façam respeitar os direitos e a liberdade de todos.

Manuel Rodrigues

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