terça-feira, 20 de outubro de 2009

Jerónimo Pintor

Jerónimo Fernandes da Silva, nasceu na freguesia de São Julião de Paços-Braga, no ano de 1935 e faleceu em 2003. Está sepultado cá, no cemitério da sua terra natal, em campa da família, muito simples e discreta, conforme seu pedido.
Não é necessário tecer elogios ao artista que se notabilizou em áreas diversas como a poesia, gravura, o desenho e, principalmente a pintura, porque a obra que Jerónimo nos deixou, é suficientemente bela e grandiosa para nos falar do filho desta terra que tanto nos orgulha!
Por aqui passou os primeiros tempos da sua vida, na casa da família - as Marcoas - no lugar de Belide, junto à estrada nacional.
O Jerónimo era um homem fisicamente a cima da média: Alto e forte. Tinha uma bigodaça que bem combinava com o cachimbo usado quase em permanência, que o caracterizavam e lhe davam um inconfundível ar de intelectual.
Penso que o Jerónimo não frequentou nenhum curso de pintura, mas dizia-se que a Escola de Belas-Artes do Porto, reconhecendo a sua classe lhe atribuiu um diploma!
Fez várias exposições: Barcelos, Braga, Lisboa, Póvoa de Varzim, Valença e no Brasil, tendo sido o primeiro pintor português e expor em Brasília.
Era uma homem com quem se gostava de conversar. A par dumas amenas cavaqueiras, bem regadas com uns copitos, lá vinham as histórias, pantominices e a narração das partidas que ele também sabia pregar.
O relato que se segue é revelador disso mesmo, passado em Barcelos e que me foi contado pelo Senhor David Miranda, nosso conterrâneo já falecido, homem muito conhecido naquela cidade, onde durante muitos anos exerceu a actividade de ourives.
Este episódio, mostra bem a arte, e a personalidade do pintor!
Jerónimo ,ainda muito novo, foi viver para Barcelos. Ali começou a revelar os seus talentos, que em pouco tempo o tornaram muito conhecido, estimado e admirado, de modo especial pela elite daquela urbe.
Vários amigos lhe pediam para desenhar ou pintar o seu retrato, preferencialmente a óleo sobre tela.
A ninguém dizia que não, mas não se comprometia com datas, nem com o preço que cobraria pelo seu trabalho! Aconteceria quando estivesse inspirado! O preço, esse, dependia do lado para que estivesse virado. Para uns, era uma graça que fazia, a outros, era capaz de exigir um dinheirão!
Vejamos o que aconteceu com um reputado médico barcelense, seu fã e amigo.
Jerónimo, diz-lhe o médico: - Quero que me faças um retrato para colocar no meu consultório. Ok. Responde o pintor. Quando calhar, logo lho entregarei.
Passaram-se meses e meses até que chegou o dia. Mestre Jerónimo, lá vai ao consultório do doutor para entregar a obra encomendada. O médico vê o quadro, analisa-o pormenorizadamente, e, de seguida pergunta: - e o preço? O pintor, certamente com as finanças nas lonas, diz: são dez mil escudos! (estávamos no início dos anos 60, nessa altura era muita nota). O médico ficou desapontado com o custo e diz-lhe: É um exagero Jerónimo! O quadro não vale esse dinheiro e, pior que isso, está cheio de defeitos. Pouco ou nada se parece comigo, pelo que ninguém me vai reconhecer neste retrato!
A questão, prendia-se mais com a nota, do que com a qualidade da obra!
Reage o artista.- Doutor, o quadro volta comigo, uma vez que afirma não se parecer consigo e ninguém o reconhecer neste retrato! Tentarei fazer outro que melhor o identifique. E lá volta o pintor com o quadro para casa.
O então presidente da câmara de Barcelos, era um dos seus grandes amigos, ao ponto de, muitas vezes lhe matar a fome, dado que o pintor andava quase sempre liso.
No regresso, com o quadro debaixo do braço passa pela casa do presidente e muito irritado, conta-lhe o sucedido!
Naquele estado de nervos, pede-lhe que o autorize a colocar em exposição, a obra que lhe foi afirmado não retratar o conhecidíssimo médico.
Depois de concedida a autorização, mestre Jerónimo vai para o seu atelier e substitui na pintura as orelhas do indivíduo, por umas grandes orelhas de burro! Por baixo, escreve em letras garrafais: QUEM SERÁ ESTE……ALGUÉM CONHECE ESTE ANIMAL? No dia seguinte pela manhã, lá vai colocar o lindo trabalho em exposição no edifício do turismo, bem à vista de toda a gente!
Todos quantos por ali passavam, ao verem o retrato, ficavam espantados e exclamavam! Olha que vergonha! O Doutor…… com umas orelhas de burro!
Os amigos do médico, ao verem tal coisa, logo lhe telefonaram: Doutor, a sua fotografia está exposta no turismo, “enfeitada” com umas grandes orelhas de burro! Todos galhofam de si! Mande retirar aquilo dali o mais rápido possível, porque é uma vergonha e humilhação para si!
O Médico logo contacta o presidente da câmara no sentido de mandar retirar o quadro, ao que este lhe responde: Doutor, o pintor contou-me que o senhor lhe dissera, que o retrato nada se parece com a sua pessoa. Assim sendo, não se trata do Doutor, mas de outra pessoa qualquer! Fale com o Jerónimo e entendam-se. Só com a ordem dele o quadro poderá sair dali!
O médico procura o Jerónimo e pede-lhe para retirar o quadro. Jerónimo responde: Aquele retrato não é o senhor, pelo menos foi isso que ontem me disse quando fui ter consigo, no seu consultório! Não foi verdade que me disse o retrato nada se parecer consigo? As pessoas é que devem estar a ver mal! Por isso sossegue, porque nada tem a ver com V. Exª.!
Perante a resistência do artista, o médico não teve outro recurso se não desembolsar os dez mil escudos e dá-los ao pintor, pagando assim a "obra prima, que de seguida lhe foi entregue.
Várias vezes tive o prazer de o receber em minha casa. A par de conversas animadas e piadas sempre cheias de bom humor, entornavam-se umas copadas de bom tinto, que tornavam ainda mais viva a já boa disposição. De facto, nesses encontros, passavam-se momentos inesquecíveis!
Um dia perguntei-lhe se foi verdade ter acontecido o episódio supra. Ele, soltando uma grande gargalhada responde: Tenho outras histórias interessantes para te contar! Um dia destes falaremos delas.
Infelizmente, passado pouco tempo, Jerónimo deixou de estar entre nós!
Faleceu, em 28 de Dezembro de 2003.
Que Deus o tenha junto de si.

Manuel Rodrigues

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Como era São Julião de Paços antigamente?

Certamente que a área, os limites geográficos e os lugares de São Julião de Paços, são os mesmos desde há muitas décadas, mas a vida que temos hoje, nada tem a ver com a miséria que se viveu, até à década de sessenta do século passado.
Normalmente as famílias eram numerosas: oito, dez, doze filhos… Conheci uma que criou 23!
Eram muito fracos os recursos!
A subsistência da família assentava, essencialmente, na pequena féria que o pai trazia no fim da semana. A mãe, passava a vida a tratar da casa e cuidar dos filhos, no resto do tempo lá ia criando umas galinhas, uns coelhos e outros animais para consumo doméstico.
Só em algumas casas havia água própria, proveniente de poços donde era tirada ao balde, ou de minas que de terras mais altas, era canalizada até ao tanque junto da casa. O abastecimento das outras casas era feito através de fontes públicas onde se ia buscar, em cântaros de barro e deles, com um caneco se tirava a água para fazer a comida e outros fins domésticos.
Em São Julião as fontes que serviam mais gente eram: a fonte de Vila Pouca, que abastecia também o populoso lugar do Monte do Porto; a fonte do Sobreiro, no lugar do Outeiro; a fonte de Forcadêlo que abastecia também o lugar da igreja; o Mirão na Pedreira; a fonte de Belide, a de Fijô; a da Serra; a mina da tia Maria Amélia, no lugar da Bouça e mais uma ou outra de que posso não me recordar.
Como bem se pode compreender, tornava-se muito difícil e trabalhoso manter as condições mínimas para uma vida saudável, mas, assim se foi vivendo durante muitos anos!
As casas, inconfortáveis e normalmente de dimensões reduzidas , tinham anexado um quintal onde se cultivavam umas novidades: batatas, cebolas, hortaliças e tudo o mais que contribuísse para o alimento da família, mas tudo se tornava pouco para o sustento de tanta gente!
Os filhos, à medida que iam crescendo, ajudavam a tratar dos mais novos, e dos montes traziam lenha para fazer a fogueira na lareira aquecendo os potes onde se cozinhava. Assim iam vivendo e crescendo até à idade de seguir o seu destino: servir um amo, aprender um ofício: aprendiz de pedreiro, trolha, carpinteiro ou em oficinas, onde nada ganhavam no período de aprendizagem.
Todas estas fracas condições nada contribuíam para um bom desenvolvimento físico e integral da pessoa! É muito vulgar ouvir os mais idosos dizerem que uma só sardinha dava para duas ou três pessoas! Hoje ninguém acredita nisso, mas era mesmo assim! Um caldo feito de couves, com uns feijões, um punhado de farinha, meia sardinha, um naco de broa, já não era muito mau! Ou então, umas batatas cozidas com couves (e o bacalhau na venda como se dizia), assim era o dia a dia na maioria das casas da nossa aldeia!
A má nutrição, condições higiénicas quase inexistentes, ausência de vacinação contra doenças e a fraca assistência médica, etc., tudo contribuía para um elevado nível de mortalidade infantil, e doenças nos maiores! Para quem não sabe, até nos cemitérios existia um sector só para enterrar os “anjinhos”, as crianças e tantas eram, as que morriam nos primeiros tempos de vida! Poucos casais escapavam de enterrar uma ou mais crianças!
Para além da fome que se passava, havia ainda quem se aventurasse a construir uma “barraquita” para alojar a família, o maior anseio de todos os casais, facto que, para muitos, se tornava no princípio do fim!
Recordo-me de alguns homens desta terra, que, aspirando concretizar tal sonho, trabalhavam noite e dia! Com tanto trabalho, duro e continuado, muito mal alimentados, contraíram doenças, (a tuberculose era a mais frequente), que os levaram à morte precoce.
Sem qualquer apoio social, nem sequer o abono de família! Míseros rendimentos em famílias numerosas, como era possível sobreviver?
As principais preocupações do Estado passavam por manter a ordem pública e pouco mais! Pouco se investia no ensino! Nos meios rurais só o primário para alguns e nas cidades, para além deste, o secundário e superior só para os “grandes”; investimento público mal se via; rigoroso controlo político; fiscalização apertada às actividades económicas, etc., assim era o país nesses tempos!
Em cada freguesia o governo tinha um seu representante - o regedor – autoridade criada em 1836. Este era auxiliado por dois cabos, sempre atentos à ordem pública, agindo nos conflitos locais e até nos familiares. Quando chamados a intervir, usavam a sua autoridade e, nos casos mais difíceis, chamavam a GNR para que a normalidade fosse reposta.
Os três últimos regedores de São Julião, depois dos anos trinta, foram: O Senhor Francisco Gomes, da casa da Figueira, sucedeu-lhe o Senhor Constantino Gomes, da Pedreira e por último o Senhor Alípio Pereira, do Souto. Os últimos cabos de ordem que conheci, foram: o Senhor Domingos Malheiro e o Senhor Daniel Músico.
Com a revolução do 25 de Abril o regedor deixou de existir, o que em meu entender foi uma má medida porque, era sempre uma autoridade próxima do povo, a quem se podia recorrer em casos de conflito.
Diz-se que actualmente essa missão passou a ser da competência do Presidente da Junta, mas creio que a maior parte dos autarcas das freguesias não sabem sequer o que era um regedor, muito menos, a acção que desempenhavam na sociedade.
Bom era que o desaparecimento dessa autoridade não se fizesse sentir mas, nfelizmente, com o novo regime que se queria ordeiro e democrático, as liberdades dadas a todos, permite que alguns se sirvam delas para atentar contra as pessoas e bens alheios, pelo que acho um absurdo, dizer-se que vivemos num país livre!
Que liberdade pode haver, se todos os dias somos confrontados com assassinatos, atentados, assaltos, roubos, corrupção etc., e os criminosos por aí a passear impunes e calmamente pelas ruas sem serem chamados à ordem?!
A insegurança é de tal ordem, que nos deixa a todos seriamente preocupados! Isto, era impensável acontecer noutros tempos!
Sim à liberdade e ao respeito mutuo, o que só será possível se houver governantes sérios, capazes, que cumpram e façam respeitar os direitos e a liberdade de todos.

Manuel Rodrigues

terça-feira, 28 de julho de 2009

Texto c/música da "Samaritana"

Da paixão do Redentor,

Nos reza a história sagrada,

Não duma lenda encantada,

Mas que Jesus, morreu por Amor!

Sofreu humilde e calou,

Sua Paixão Divinal,

Para salvar todo o mortal,

Na cruz, por todos se entregou!


Ref.


Ó ESPÉCIE HUMANA, ÉS DESTINO DESSE BEM!

VÊ QUANTO DEVES, A JESUS O REDENTOR!

COMPADECIDO DA DESGRAÇA DOS MORTAIS,

SUBIU À CRUZ E NELA MORREU POR AMOR!


E tu, feliz acolheste, o gesto que te elevou!

O homem, estava perdido e o Bom Jesus o salvou.

Da morte ressurge a vida e a hora da libertação!

Todos louvemos a Jesus,

Porque nos conquistou a salvação.


Ref.



Obs.: Porquê este texto para a música do fado da "Samaritana"?

Porque na festa de "bodas de prata" dum famoso advogado com escritórios em Nova York, Barcelona

e no Porto, comemoradas em Gaia, em que tive o prazer de participar, também estava o Bispo que

há vinte e cinco anos abençoou o casamento, na catedral de Santiago de Compostela.

A dada altura da festa, um senhor doutor ex-colega na Universidade de Coimbra,

levanta-se para cantar o fado da "Samaritana", mas não o faz sem primeiro se dirigir ao Bispo

pedindo-lhe o seu consentimento!

Porque terá ele tido aquela atenção para com o Bispo?

Pela sua atitude, revelou tratar-se de um HOMEM de boa formação!

Ele, sabia que a letra da "Samaritana" não está em conformidade com o relato Bíblico

sobre a vida de Jesus, razão pela qual de dirigiu ao superior eclesiástico.

O Bispo pô-lo à vontade, mas isso não se tornava o suficiente para rectificar os erros contidos na

versão do fado.

Foi então a partir daí que pensei e escrevi esta nova letra, já muitas vezes

cantada e aplaudida.



Manuel Rodrigues - 2009-07-28

terça-feira, 9 de junho de 2009

Alcunhas e flashes que não se devem deixar esquecer

Passam-se os anos, tudo vai mudando e quase sem se dar pela conta!

Na década de 50, as casas nesta freguesia, seriam menos de metade das que temos hoje! A população não aumentou! Nesses tempos, as famílias eram mais numerosas. Qualquer casal tinha vários filhos! Agora os tempos são outros, diz-se. O futuro julgará os comportamentos e dará a sentença.

As casas mais “ricas” da freguesia eram: a casa da Serra, do Souto, da Pedreira, de Fijô e da Figueira. As outras, fora uma ou outra tidas como remediadas, eram na generalidade casas de pobres, dos que não possuíam terras.

Nas lavouras trabalhavam os jornaleiros que, labutando de sol a sol, não ganhavam o mínimo necessário para sustentar os filhos, mas as terras também não davam para muito mais.

Os artistas, na construção civil ou em pequenas industrias, defendiam-se melhor um pouco, mas nada que desse para larguezas!

Era neste ambiente que a sociedade se movia, notando-se que havia mais solidariedade entre as classes pobres.

Os ricos por regra, não conviviam com os pobres. Era uma classe dominadora e por isso, viviam à parte. Os pobres, esses, pelo menos ao Domingo, único dia de descanso, conviviam mais e, nos seus encontros, muitas vezes, serviam-se das graçolas, inspiradas numa pinguita mais bem bebida na tasca, que na maior parte dos casos era mal acompanhada de comida, bastando pouco para virar o barco.

As alcunhas atribuídas às pessoas, só por si, já tinham graça!

Vejamos: Os chichas, fanados, mei-calça, carapuça, escramué, cagacães, bacorinhos, estrelados, moleiros, saréquinhas, carrasquita, gurito, côta, sanuca, cabeleiras, aquilho, tatarugo, pirolas, téctau, carrêlo, melrinho, sacholinha, teirinha, furados, bilhacos, caga na saquinha, cambitos, coelhinhos, o calho, os gatos, catrinas, baqueiro, pescocinhos, pinseleiros, teixeiro, borrachinha, botas, chota, vitra, faqueiro, mána, violas, garulas, ferrolhos, moufoas, bastuças, cinquentas, chaouliça, noras, vergalhadas, lão-branca, formigas, marcoas, pardelho, tanjardo, chiquita, cobanca, carrôcho, noutelha, cara da semana, cega melros, barraquinha, quinine, mijeca, patêlo, cabaço, mornaca, machinha, camôchas, fanfana, senisga e outros nomes mais sonantes como caramona, rei e os rainhas, etc.

Estas alcunhas identificavam de imediato as pessoas por isso conhecidas! Quase ninguém hoje se identifica desse modo.

Tornando-se impossível caracterizar os titulares e o motivo da sua alcunha, realçarei apenas episódios de alguns dos que mais gozo pode dar:

- Mána: Numa reunião de chefes de família convocada pelo pároco para determinar a quota com que cada um contribuiria para a construção de salão paroquial, o mána, ou Manuel chicha, que era um pobre trolha, especialista em tirar pingas dos telhados de telha nacional, em plena reunião de tantos homens, vira-se para o mais rico da freguesia e diz-lhe, (a brincar, claro): Eu, sou mais rico do que o senhor Antoninho! O Toninho, com o seu ar de “rico”, olha-o de canto, enquanto ele prossegue. Quem é mais rico: quem compra, ou quem vende? Todos olham expectantes! E continua: o senhor vende e eu compro. Quem compra é porque tem dinheiro, e quem vende é porque precisa! Foi uma risada geral, que se fosse hoje, era digna de uma grande salva de palmas.

Com o "golinho" tinha saídas espectaculares! Dizia ele: em minha casa é só garafas! Fazia uma pausa e continuava: vazias!

- O Escramué: Era o homem dos sete ofícios. Fazia de tudo: ferreiro, funileiro, mineiro, jornaleiro da lavoura onde sabia podar, sulfatar, sabia fazer de tudo! Era um habilidoso, polivalente!

Um dia, quando trabalhava no ferreiro, veio lá um cliente já de certa idade, a quem o escramué mostra uma chave e diz: “Ó senhor José Maria: olhe que chave bonita!” A chave estava em brasa, acabada de sair da forja, que ele coloca na mão do cliente! Este, sentindo o queimar da chave, sacode a mão e começa a ralhar com o patrão, a quem devia uma conta, e diz: O teu empregado é um macaco! Deixou-me a chave escrita nos dedos! Sabes quanto te devo? Não te pago! E se é verdade haver inferno, vai se lá tocar muito manguito! O escramué, macaco como era, partia-se a rir.

-O chicha era trolha, e tinha ditos muito engraçados!

Um dia, quando arranjava uma casa, diz para o rapaz da massa: anda depressa moço, que, quando eu morrer vão dizer: ali vai o “ensina burros”!

-O teixeiro, tinha uma industria pequena de móveis: fazia camas, cadeiras, armários, etc.. O faqueiro era seu empregado, mas muito brincalhão.

Um dia, apanhou uma cobra, pegou-a com a mão junto à cabeça e, fazia passar o bicho junto da cara do patrão. Este, cheio de medo, faz um severo aviso ao empregado: Azevedo, retira para lá a cobra! Olha que um homem perdido, faz perder outro, ouviste?! Por sua vez o Azevedo ria-se como um perdido, com aquela brincadeira!

-O vitra: Num belo domingo ao cair da noite, saíam da tasca a caminho de casa o vitra e o violas.

A GNR fazia a ronda e, quando encontravam alguém com carga a mais, logo o prendiam, e só o descarregavam no posto.

Aconteceu que o vitra, avista um carro à distância e encaminha-se para lá.

O violas, talvez um pouco mais lúcido diz-lhe: vitra não vás. Diz o vitra: vou, é o filho do meu patrão. Chega ao pé do jeep e logo a GNR o engaiola!

O violas, cá de longe diz: Eu não te dizia vitra, que via polainas envernizadas?! Quiseste ser teimoso, agora lá vai mestre vitra na barraquinha de lona.

- O baqueiro, era o matador de porcos cá da zona.

Um dia vai ao barbeiro, a meio da semana para lhe fazer a barba, mas o barbeiro tinha saído. Pediu então ao filho do barbeiro para ele lhe fazer a barba, mas este não tinha grande jeito, nem sabia afiar a navalha, de tal forma que se tornou difícil a tarefa para os dois. Por certo que ambos estavam à rasca. O cliente a determinada altura pediu uma pausa e contou uma história ao que estava a fazer de barbeiro:

“Um dia um sujeito foi ao barbeiro fazer a barba, mas este não sabia amolar a navalha, o que causava grande sofrimento ao cliente! Ouviu então um cão lá fora a ganir muito e, com ar aflito pergunta ao barbeiro: também estarão a fazer a barba aquele cão?”

O barbeiro improvisado, percebeu a história e logo que despachou o cliente lhe garantiu que nunca mais voltaria a pôr-lhe a navalha na cara.

Manuel Rodrigues

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Compasso pascal

A tradição, já não é o que era em São Julião de Paços!
Noutros tempos, a entrega da cruz - passagem do mordomo anterior para o novo mordomo – era por norma, no primeiro dia do ano, dia de ano novo.
Após a celebração da Eucaristia, seguia-se o rito da entrega da cruz. O antigo mordomo, de opa vestida, dava o Senhor a beijar ao seu sucessor. Este por sua vez, vestia a opa, recebia a cruz, e de seguida a dava a beijar ao mordomo cessante, ficando assim concluída a cerimónia da entrega da cruz.
Os sinos repenicavam na torre da igreja e estouravam os foguetes, enquanto o novo mordomo dava a cruz a beijar aos presentes, saindo depois em procissão rumo à sua casa onde continuava a festa.
A casa do novo mordomo vestia-se de festa, isto é, era previamente adornada com arcos e festão, para receber a cruz e as pessoas que se quisessem associar.
A todos eram distribuídos os figos secos de ceira, broa caseira e bebidas. Aos familiares e amigos convidados, era servido um almoço de gala, para comemorar este dia de festa.
Com a chegada da Quaresma, passava a viver-se de forma diferente! Começa o tempo de dar mais atenção à vertente espiritual. A quarta-feira de cinzas, primeiro dia da quaresma, a igreja, com a cerimónia da imposição das cinzas na fronte dos crentes, exorta a que meditemos na realidade que somos: “lembra-te homem que és pó, e em pó te hás-de tornar”.
Durante a quaresma são promovidos vários actos de reflexão e oração, que apelam à conversão.
Noutros tempos, havia os “clamores.” Nas sextas-feiras, manhãzinha cedo, a igreja se enchia de gente para cantar as ladainhas.
Com a cruz paroquial na frente, saíam os fiéis em procissão rumo ao cruzeiro paroquial, onde davam a volta, para regressarem ao templo, contornando este, fazia-se a entrada na igreja pela porta principal. Seguia-se a celebração da santa missa, que devia terminar por volta das seis e trinta, para dar tempo a que os artistas que trabalhavam em Braga, caminhando a pé cerca de hora e meia, pudessem iniciar o trabalho pelas oito horas.
Durante a quaresma os altares não tinham flores e as imagens dos santos estavam ocultadas com panos roxos!
Todo este ambiente favorecia a reflexão, que levava os fiéis a uma vivência mais profunda do mistério dos sofrimentos da Paixão e morte de Cristo, que por amor dos homens padeceu e morreu!
A própria sociedade procurava evitar os ruídos, tais como deitar foguetes, promover bailes, cantares e danças, em sinal de respeito e não perturbar o silêncio próprio do tempo. Os altifalantes na torre da igreja permaneciam calados nesta quadra!
O homem foi criado por Deus, que o dotou com corpo e alma, razão que levou Jesus a vir ao mundo para nos salvar. O ser humano não é só corpo como os outros animais! Tem também uma alma que é imortal, o que o torna semelhante a Deus!
A semana santa, inicia com o Domingo de Ramos. Semana, toda ela deve ser vivida em reflexão e silêncio!
Outrora, velhos e novos, mesmo em suas casas, só falavam o indispensável!
Cantar, não se ouvia outra coisa que não fosse os martírios do Senhor, que numa entre outras quadras se dizia: “Estamos na semana santa, na semana do Senhor, nem se canta nem se dança, nem se fala ao amor!” Era arrepiante! Até os sinos das igrejas se calavam mesmo para dar as horas do relógio!
Uma tradição muito antiga: na quarta-feira santa, chamada quarta-feira de trevas, não se podia cavar nos campos, ou mexer na terra, nem cozer o pão no forno da casa!
Sexta-feira santa, dia da morte do Senhor, todos sentiam que estavam de luto! Às três horas da tarde, parava-se para rezar e lembrar a morte do Senhor! Com os semblantes pesados e tristes, toda a gente aquela hora corria para a igreja participar na via-sacra!
À noite, era o enterro do Senhor! Nas ruas da cidade, tudo cheio de gente, mas o silêncio era quase total, o que de facto impressionava! Só se ouvia o bater no chão, ao ritmo das passadas dos pegadores,as esperas que estes levavam para pousar os andores quando fosse necessário, para aliviar um pouco do peso que carregavam!
Dia de Páscoa!
Páscoa! (significa passagem. Jesus morre, mas volta à vida - Ressuscita!)
Até à década de sessenta, o anúncio da Ressurreição era feito no Sábado de Aleluia.
Pelas oito horas da manhã, repenicavam os sinos nas igrejas e os foguetes estoiravam por todo o lado! Não havia mais tristeza. Os corações transbordavam de alegria, com o anuncio da Ressurreição de Cristo!
Junto à casa do mordomo, tudo estava enfeitado, normalmente com um grande e lindo arco na frente, ramos verdes de Austrália espetados nos lados da rua, com cordas de festão por sobre os ramos e pinheiros, ao longo de muitos metros.
Ali acorriam felizes muitas pessoas para desejarem umas às outras, “Santa Páscoa, Aleluia, Aleluia”!

Depois do Concílio Vaticano II, a Ressurreição passou a ser anunciada ao despontar do Domingo, dia do Senhor!
Desde a madrugada, já ninguém mais conseguia dormir com o barulho dos sinos e o estrondo dos morteiros que a partir da casa do mordomo ecoavam para todo o lado!
Pelas sete horas da manhã, tinha lugar a celebração da Eucaristia, saindo logo de seguida o compasso pascal, para visitar todas as casas da aldeia!

Com os elementos do compasso vestidos a rigor, de fato domingueiro, bem engravatados lá caminhavam alegres, com os rapazes das campainhas a tocar lá na frente; o pároco, de batina e roquete, chapéu de quatro bicos, todo feliz, lá ia aspergindo com água benta, quantos ladeavam o caminho e queriam beijar o Senhor; o mordomo de opa branca e um grande laço colocado na lapela do casaco, o distinguiam como principal organizador da festa; a cruz pascal era normalmente transportada pelos mais directos familiares do mordomo, visto ser de grande responsabilidade devido ao elevado valor do oiro que a adornava; alguém levava uma cesta, bem arranjada, forrada com toalha de linho, para recolher as maçãs que em cada casa ofereciam para o senhor abade; outro acompanhante, se encarregava de recolher as flores artificiais também oferta de cada casa; a caldeira com água benta, era tarefa do sacristão, que tinha o cuidado de passar o hissope ao senhor padre, para ele aspergir e benzer as pessoas e casas visitadas; por fim, o homem da saca, que recolhia as ofertas para São Pedro e lugares santos!
Na maior parte dos lares, quando entrava a cruz, eram lançados foguetes! Rara era a casa onde pelo menos a meia dúzia não subia para os ares, em sinal de alegria, e que também servia para indicar em que zona ia a passar o compasso!
O lugar do Monte do Porto, muito povoado, com as casas próximas umas das outras, alguém lhe chamou a “ilha perigosa”, porque os foguetes estoiravam ininterruptamente, enquanto a cruz entrava e saía duma para outra casa, durante mais de uma hora.
Ali se juntava sempre muita gente, mormente os naturais da freguesia, a residir fora da terra, que expressamente vinham para assistir à passagem do compasso por este lugar, porque era mesmo espectacular! Com grande entusiasmo, acompanhavam o compasso até ao largo do cruzeiro, onde se timbrava em queimar dos foguetes mais pesados!
O compasso passava pelo cruzeiro por volta do meio-dia e, porque a partir dali já não animava tanto, muitos dispersavam para ir ao almoço.
Os sinos da igreja continuavam a tocar, os foguetes a estourar e as portas a abrirem-se para receber e beijar Cristo Ressuscitado.
Dizia-se que a pascoa era muito limpa, por isso as casas durante a semana santa, eram objecto duma limpeza mais cuidada. No Domingo estavam todas bem asseadas com as melhores carpetes e tapetes no chão, lindas toalhas nas mesas, e as melhores cobertas nas camas, onde era quase obrigatório poisar a cruz por alguns instantes, para serem abençoadas pelo Senhor.
Em cada casa, aos membros do compasso eram servidos os doces: amêndoas, pão-de-ló, vinho fino, folares, tudo à fartura e bem combinado, simbolizando a riqueza e a doçura da libertação humana, operada por Cristo Salvador!
Por volta da uma da tarde o compasso parava para almoçar. A cruz entrava na residência paroquial, onde o almoço era servido, e dele fazia parte o cabrito, oferecido pelo mordomo.
Para fazer o ponto da situação, a meio do almoço era lançada meia dúzia de foguetes. Depois do almoço retomavam-se as visitas que seguiam até ao lugar do Ferreiro (Machada), Serra, desciam à Pedreira, Souto,Fijô, Lardoeira, Torre, Belíde, Outeiro e Bouça, onde, já ao cair da noite, eram visitadas as últimas casas.
Da parte de tarde, até havia um "segundo compasso"!
Depois da visita da cruz, as pessoas que seguiam atrás do compasso, também entravam nas casas, aí “limpavam” os doces que ainda ficavam nos pratos e entornavam uns copos do verdinho.
Casas havia que, contando já com este "compasso", se preveniam com comes e bebes: fêveras, moelas, presunto queijo, amendoins, tremoços, caldo verde, e outros, tornando assim ainda a festa mais animada!
Neste ambiente pascal merece especial destaque o adorno da cruz desta freguesia, talvez caso único: a Cruz, com mais de três quilos de peso, em si mesmo  uma preciosidade do século XVIII. De prata cinzelada, tronco redondo com o diâmetro de cinco centímetros, hastes de oitenta centímetros de altura e quarenta de braços; o cabaço com vinte centímetros de diâmetro, tem em alto-relevo quatro lindas caras de anjo!
A cruz, era todos os anos adornada com valiosos cordões e peças de ouro, disponibilizadas pelos seus donos cá da terra. Houve um ano que o ouro que levava pesava cerca de dez quilos!
Na parte superior, tinha uma pala tecida com os cordões, em pequenos quadrados formando uma rede! Nos lados da cruz, sobressaiam as peças mais valiosas: Colares, cremalheiras, trancelins, grossos cordões com grandes cruzes e valiosos medalhões, etc.! Era de facto um espanto! Adorno tão lindo, só as mãos do ourives senhor David Miranda e seus filhos, sabiam arranjar tão bem!
No compasso, para além dos que habitualmente ajudavam na igreja, eram convidados pelo pároco, pessoas das mais prestigiadas da freguesia para o acompanharem, o que dava maior dignidade à festa, e toda a gente gostava!
No fim da tarde, centenas de pessoas aguardavam junto ao cruzeiro, para participarem na "procissão dos ovos" no recolher da cruz. Ali, com a linda cruz à frente e as bandeiras, todos cantavam da forma mais original as ladainhas, ao som do toque das campainhas e dos sinos até entrar na igreja, onde encerrava o compasso, com a bênção do Santíssimo.
Festa tão bonita não podia terminar doutra forma! Com toda a gente no adro, em volta de igreja, tudo olhava para o céu durante cerca de meia hora, apreciando o lançamento e estoirar de muitas dúzias e pesados foguetes.
Era lindo! Nada podia ser melhor!
Hoje, quase tudo mudou!
As pessoas nascidas em São Julião, que ao casarem eram forçadas a sair por não arranjarem cá habitação, neste dia não resistiam sem vir à sua terra. Actualmente, poucos aparecem, pois já não é o que era!
O motivo que os trazia cá, perdeu-se no tempo! É pena, porque se vão secando as raízes e se perdem os encontros com os amigos da infância e da juventude!


Manuel Rodrigues
Abril de 2009