terça-feira, 17 de junho de 2008

São Julião de Passos e o seu passado glorioso

A história dum povo, faz-se no presente, alicerçado no passado, construindo o futuro.
É bom recordar o passado, quando dele guardamos gratas recordações. Falar da história de São Julião de Paços, mormente dos primeiros sessenta anos do século passado, é coisa de que muito nos podemos orgulhar! Esta freguesia primava pela união entre todos, reinava a mútua ajuda, e o saber estar e viver em comunidade! Surgia uma iniciativa, um projecto, que tinha o objectivo de valorizar a paróquia, todos se uniam em torno dessa ideia! Tudo era causa de todos, ao mesmo tempo que, cada um a assumia como coisa sua! Foi assim uma terra modelo até aos anos sessenta.
Para as freguesias vizinhas, São Julião, era tida como freguesia exemplar, por ser tão unida e acolhedora, como raramente se via noutras freguesias!
Por essa altura dos anos 6O, o diabo fez das dele! Duas das famílias das mais dominantes, desentenderam-se, por mesquinhices de interesses particulares, relacionados com a água que abastecia a residência paroquial! Desde essa altura, nunca mais houve união na freguesia como dantes!
Como sempre acontece, uns tomam um partido, outros puseram-se do outro lado, e o resultado não podia ser o melhor.
Antes, dava gosto ver as pessoas, no fim da missa, junto ao adro da igreja, conversando amigavelmente umas com as outras, onde muita coisa se decidia. A partir daí, o convívio acabou, o hábito foi-se perdendo, e o diálogo deixou de existir, bem como a união entre as pessoas. Hoje, é aquilo que se vê! Cada um move-se pelas suas ideias e delas não abdica! Assim sendo, nunca se vai a lado nenhum! Não se tomam iniciativas de jeito, cada um faz como quer e entende, e a freguesia vive mergulhada na apatia e num terrível marasmo!
Se as pessoas que existiam em São Julião nesses bons tempos cá pudessem vir, e verificar como são os relacionamentos hoje, ficariam muito tristes e desiludidas! Por certo que diriam: não foi o que nós deixamos!

No início de século XX, surgiu nesta freguesia, um movimento de grande actividade cultural!
Muitos jovens se dedicavam à aprendizagem da música. Havia bons tocadores de instrumentos de sopro e de cordas.
Era frequente os rapazes fazerem serenatas às moças que queriam conquistar e às próprias namoradas. Isso motivava a que aprendessem a tocar: bandolim, violino ou rabeca, violão, guitarra, flauta transversal, etc.. Muitas aldeias tinham a sua tuna!
Cá foi criado um grupo de teatro, (em 1905) que levou aos palcos uma obra cénica de grande envergadura, extraída da Bíblia: o “José do Egipto”!
Baseada na vida de um dos filhos mais novos de Jacob – José que, com doze anos, por seus irmãos, por inveja, o roubaram ao pai e venderam para o Egipto!
Este drama é constituído por sete actos, tem um elenco de quarenta personagens, e a sua representação dura cerca de quatro horas!
Obra imponente, já foi esplendidamente representada por populares artistas da nossa terra, nos anos: 1907, 1926, 1935, 1945 e, pela última vez, em 1957! Em 1980 tentamos ensaia-la novamente, não tendo sido possível concretizar o sonho, devido a divisões existentes na freguesia, apesar de haver as melhores condições de sempre para o efeito! Tentaremos de novo brevemente.
Houve naqueles bons tempos nesta terra, músicos de alta craveira! Alguns deles, impuseram-se como grandes maestros de bandas musicais, nomeadamente, na banda musical de Cabreiros. Com o saber e classe destes músicos no comando, viveram estas bandas, os tempos mais brilhantes da sua historia! São exemplos disso, dois grandes musicólogos desta terra, ligados à família dos Balteiros. Um que morou no lugar do Outeiro, maestro Manuel Gonçalves, um fora de série! Pegava numa partitura, (pauta de música) e, à primeira vista, logo a solfejava com toda a facilidade e na maior perfeição! Só um grande músico é capaz de poder fazer isso! Outro, foi o Senhor Adelino Pereira Gonçalves, também meu professor de música. Foi um grande maestro da banda musical de Cabreiros, durante vários anos. Homem imponente, e cheio de estilo! Residia no lugar da igreja, desta freguesia. Tinha peripécias únicas! Era um homem sem stress. Mesmo que tivesse a casa a arder, por nada se afligia! Um génio da música, e grande homem!
Outros bons músicos desta terra merecem destaque, tais como, o Senhor Bernardino Pereira, em clarinete, seu filho Justino Pereira, bom flautista, bem como vários tocadores de instrumentos de corda: Manuel Viana – Rabecão; Leonardo Silva – Viola; Adelino e outros, no violino.
Recordo-me das novenas do menino Jesus, tocadas pelos nossos músicos, ensaiadas pelo Senhor Adelino, que culminavam com o nascimento do Menino Jesus na noite de natal, na missa do galo! A tuna tocava e cantava as novenas. Nelas, dois “pastorinhos”, rapazes de dez, doze anos, cantavam lá encima nos púlpitos, versos ao menino: -Ó meu menino Jesus, vinde, vinde já ao mundo, tirar-nos do cativeiro, daquele abismo profundo!” Coisas lindas e maravilhosas!
Um dia, um pastorinho, enquanto esperava a altura de cantar, adormeceu lá no púlpito! Quando chega o momento, o tocador do violino que o acompanhava, deu o sinal para ele cantar, mas o pastorinho adormeceu e por isso não ouvia! Nisto ouve-se do coro uma voz: canta rapaz, canta rapaz, até que ele acordou e cantou, tudo voltando à normalidade!
No dia de Natal, à meia-noite, celebrava-se o nascimento do menino! Na igreja não cabia toda a gente, muitos tinham mesmo que ficar fora da igreja. Antes do Glória, aparecia um anjo a cantar no alto da tribuna, anunciando o nascimento de Jesus. Era o momento mais esperado! Todos, queriam ouvir aquela voz, vinda do céu! Num ano, foi muito giro! Aparece um anjo, calçado com soquitos de madeira, de verniz preto, a cantar lá na tribuna, gerando os mais engraçados comentários!. Nunca mais foi esquecido aquele anjo! Que lindas coisas se faziam em São Julião nesses tempos, dos quais sentimos tantas saudades!
Muitas mais coisas dignas de registo temos para serem contadas e recordadas! Vamos continuar.
Demos as mãos, para que de novo a nossa gente, possa continuar nos caminhos tão maravilhosos, que nos foram legados pelos nossos antepassados.

Manuel Rodrigues, 17/Junho/2008.

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