sexta-feira, 20 de junho de 2008

Exemplo a imitar

Nos tempos recuados, de modo especial depois da segunda grande guerra (1939/1945), muita fome se passava em Portugal, e concretamente cá na nossa zona, atingindo de modo especial, como sempre acontece, as camadas mais pobres.
Famílias geralmente numerosas. Raramente uma família tinha menos de 6 filhos, algumas que conheci com mais de dez, doze e até com vinte, e mais filhos! Os ganhos eram poucos, faltava trabalho, subsídios do Estado, abono de família e outros, nem vê-los! Os jornaleiros na lavoura, trabalhavam de sol a sol, para ganhar a ninharia de “sete coroas”(3$50), o equivalente a pouco mais que um euro e meio/dia. Claro que as sete coroas naquele tempo, daria hoje por exemplo, para comprar duas garrafas de azeite ou uma arroba (15kg) de milho, mas que era isso para manter uma família numerosa?
Os trolhas, pedreiros, carpinteiros, etc., normalmente, não tinham trabalho certo. Tinham que ir às ordens! O que era isso de ir às ordens? Tinham que ir à casa do mestre, normalmente à cidade de Braga, de carolinas nos pés, (umas tábuas com o feitio dos chinelos de praia), um naco de broa numa saca debaixo do braço, lá iam procurar o mestre, o patrão que contratava as obras, para saber se havia trabalho e onde! Se havia trabalho e a obra ficava longe, tinham que fazer mais uns quilómetros a pé, para lá chegar! Se o mestre não tivesse trabalho, voltavam para casa pelo mesmo caminho. Hora e meia a pé para cada lado, cheios de cansaço e fome, tristes e desanimados, por não poderem ganhar o pão para manter os filhinhos! Era assim o viver de muitas famílias das nossas aldeias!
Hoje, contar estas coisas aos nossos jovens, dizer-lhes que nesses tempos, em muitas casas, uma só sardinha era repartida por dois ou três filhos, pensam que lhe devem estar a contar alguma anedota, mas, de facto era mesmo assim! Comia-se o bocado da sardinha com um pouco de broa, lambiam-se os dedos e se tivessem uma malga de caldo para comer, que felicidade já não era! Arroz, só ao Domingo, e quando era, era uma festa! Oxalá esses tempos não voltem mais, mas que se passava muita fome, lá isso é verdade!
No meio de tanta necessidade e pobreza, quero recordar, destacar e enaltecer um HOMEM desta freguesia que ficou conhecido como “O PAI DOS POBRES: O Senhor Eduardo Augusto Pereira Machado, dono da casa do Souto (1869/1953), casa de lavoura. Um homem sempre atento à necessidade dos outros, apesar das dificuldades porque também passava, para criar e formar os filhos.
Quando tinha conhecimento do nascimento de mais uma criança numa dessas famílias pobres, logo dizia à empregada: - Maria (*) mata uma galinha e leva-a a fulana, que acaba de ter um bebé! Ela não deve ter e necessita de ser melhor alimentada após o parto….! Que alegria aquela mãe sentia com tão nobre e generoso gesto! –“Que Nosso Senhor o abençoe, o ajude, e lhe dê o céu”! Agradecida, dizia a nova mãe! E para o bom homem, não havia melhor agradecimento!
Na consoada, todos os pobres da freguesia tinham direito a uma boa ceia de Natal! A casa do Souto, já tinha por uso, cozer várias fornadas de broa para dar aos pobres naquele dia! Cada família pobre, á hora marcada, lá ia à casa do Souto, buscar um grande cesto cheio de batatas, cebolas, hortaliça, bacalhau, uma ou duas broas de pão, um garrafão de vinho, etc.! Havia natal! Nesse dia havia festa em todos os lares! Não havia pai natal, mas o Menino Jesus providenciava para que o coração deste bondoso HOMEM , de todos se lembrasse, para que, pelo menos nesse dia, não houvesse fome, em casa nenhuma desta aldeia!
Conta-se que, já em idade avançada, pensou em experimentar o que aconteceria quando ele viesse a faltar. Se a tradição no natal de cuidar dos pobres se iria ou não manter. Então, avisa que vai passar a quadra natalícia na casa de um familiar, em Goios-Barcelos, terra de origem da esposa, a D. Emilinha, (faleceu com 105 anos. Deixa recomendações, para que no natal, tudo se faça como de costume!
Lá vai uma semana antes, e só regressaria uma semana depois do natal. Mas a sua ideia era fazer a surpresa. No dia de consoada, no princípio da tarde, chega a casa e vê muita gente ao portal, à espera, e lá dentro, tudo sossegado: O forno, não cozeu a broa, e o resto, como num dia normal! Entra apressadamente o patrão sem ninguém contar! Ao ver tudo parado, desata aos berros, e a gritar pergunta: Foram estas as ordens que vos dei? Logo entra tudo em rebuliço. Já ninguém sabia onde se meter! Começam os criados a dar à perna! Uns acendem logo o forno, a farinha começa a ser amassada, os cestos são logo cheios como habitualmente,e só falta o pão! Só ficará pronto para ser entregue, lá mais para a tardinha! É assim, que desta forma, os seus pobres pelo menos mais este ano, vão ter natal!
O Senhor Machado, viveu ainda mais uns anos! Conheci-o muito bem e muitas vezes me lembro dele!
Que Deus o cubra de glória lá no céu, e que o seu exemplo nos leve a ajudar sempre também, aqueles que da nossa ajuda precisam. “Quem dá aos pobres, empresta a Deus”!
Não consta que quando deixou este mundo, tenha levado dinheiro com ele! Acompanhou-o sim, todo bem que fez enquanto por cá viveu, e agora no céu, já tem a merecida recompensa! Se hoje é recordado, não certamente pela casa, pelos campos ou outros bens, mas por que tinha um grande coração para amar!

(*) Maria, conhecida por Maria da cozinha, foi criada de cozinha na casa do souto, durante 75 anos.

Manuel Rodrigues / Junho de 2008.

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