quarta-feira, 31 de agosto de 2011

O Meu primeiro trabalho literário


Surgiu como resposta a uma carta que me foi remetida por certa menina “engraçada”cá do burgo, quando manifestei interesse por uma sua irmã. Aconteceu por altura dos meus dezoito anos. No Domingo anterior à recepção da carta, tinha parado com elas e, pela forma como fui tratado, não tive dificuldade em saber da sua proveniência.

Com o intuito de galhofar, enfeitou com desenhos o envelope e endereçou-me a carta sem selo. No interior, num papel qualquer, um texto muito giro: “Ouvi dizer que sofres da ilusão! Toma duas gotinhas de desespero e ficas bom”. Depois fez um quatro virado ao contrário (uma cadeira) e por baixo dizia: “Está bonita a brincadeira, se não estás a ficar bom, senta-te nesta cadeira”.

Nesses tempos, era quase pecado um rapaz que não tivesse terras querer namorar com a filha dum lavrador, por pequeno que fosse, como era o caso. Quem tinha terrenos era“rico”, se não, era pobre e por isso não servia.


Eis a resposta à carta recebida:

Espero que fiques bem, recebendo esta cartinha,

Tenho que te responder, ó mascarada Rosinha.

Para não ser mentiroso pois gosto de ser leal,

Vou contar-te o passado e como ficaste mal.

Escreveste-me uma carta, a qual sem remetente,

Sem selo, bem enfeitada, mas li-a e fiquei contente.

Dois escudos não é dinheiro, gastei-os com muito gosto,

Por saber que és matreira e não me dares outro desgosto.

Por saber que és assim, conhecendo o teu ideal,

Dizer bem de ti não posso, não deves levar a mal.

Mas começando a descrever o que na carta dizias,

Se aproveitas os conselhos para ti que bem fazias.

Julgas que és importante por frequentar o estudo?!

Não te envaideças tanto, que ainda podes perder tudo.

Tua riqueza é pouca, teu encanto pouco é,

És criança, não admira, peneiras é o que mais é.

Mas lá com teu proceder com isso não tenho nada,

Será essa a tua ideia de quereres ser engraçada.

Vou-te explicar o meio da graça adquirires:

Procura ser faladeira, saúda a gente que vires!

Falando para toda a gente, não diferençando ninguém,

Então acharás a graça e logo o encanto vem.

Para mim que sei pensar, quiseste-me desfeitear,

Mas eu tudo isso esqueço,

Só te digo que aprendas, porque se te não emendas,

Paga-las por outro preço.

Minhas informações te dou, em mim, podes confiar,

Eu falo com lealdade não penso em enganar.

Sou o dito Manuel, gostava da tua irmã,

O qual vê que sois ricos, deixo de passar por lá.

Há um ditado que diz, ainda hoje bem lembrado:

Mais vale cair em graça, do que enfim, ser engraçado.

Mas sei que vos não agrado, tendes outros doutro lado

Para fazeres uma escolha.

Sei bem que sois interesseiros, mas nos Passos de Cabreiros,

Sempre arranjastes um trolha (ª)

Pois enfim vou terminar, tenho que te desculpar,

Essa falta para comigo

Quando eu por ti passar, continuas a falar,

Porque te não dou castigo.

Se achares que não está bem, não peças a mais ninguém,

Para te explicar!

Quando por ti passar eu, dizes: foi engano meu,

Faz favor de desculpar!

Já tens minha direcção, te peço do coração,

Para não seres mascarada!

Se me voltas a escrever, saber-te-ei responder

E dar-te resposta acertada.

Adeus.


(ª) Cabreiros é uma freguesia vizinha.

No terceiro Domingo da Quaresma fazem lá a festa ao Senhor dos Passos. Foi nessa festa, no Domingo após me ter enviado a carta, que arranjaram uns moços, bem apresentados. Eram meus conhecidos. Bons rapazes, que exerciam a profissão de trolha.

2 comentários:

Anónimo disse...

http://books.google.pt/books?id=JDQBAAAAQAAJ&lpg=PA317&ots=P8bOAAgIBE&dq=Mendo%20Nunes%20de%20Pena-Fiel&hl=pt-PT&pg=PA307#v=onepage&q=Mendo%20Nunes%20de%20Pena-Fiel&f=false

Corografia portugueza, e descripçam topografica do famoso reyno de Portugal
Por Antonio Carvalho da Costa

Anónimo disse...

Gostaria de sabr mais sobre esta narrativa,se bem me parece conheço o fundamento desta história.Um abraco